Reflexão: No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho: um debate sobre acessibilidade e mobilidade

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Alô, Comunidade! O advogado e doutorando em Políticas Sociais e Cidadania, o professor Milton Vasconcellos é o mais novo colunista do Portal Comunidade Notícia. Ele vai trazer assuntos reflexivos sobre Pessoa com Deficiência (PcD).

E no primeiro texto, Vasconcellos traz uma análise acerca da acessibilidade e mobilidade. Confira:

Logo, da mesma forma que a literatura não se encerra no modernismo ou no Parnasianismo a acessibilidade não se encerra na mobilidade (que expressa a forma como ocorrem os deslocamentos dentro de uma determinada área, enquanto que acessibilidade pressupõe acesso a todos os outros direitos de cidadania/direitos sociais).

 

Por Milton Vasconcellos

 

No meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho: um debate sobre acessibilidade e mobilidade

 

Foto: Milton S. Vasconcellos / Arquivo pessoal

Publicado pela primeira vez em 1928, na Revista Antropofagia, o famoso texto de Drummond costuma ser interpretado como obstáculos na vida do poeta e as repetições de palavras no seu texto alvo de críticas. Para além da rasa interpretação, os “doutos” da literatura, chamam atenção da necessidade de contextualizar a obra sem o qual se torna impossível compreendê-la.

Escrito no início do século XX, a intenção verdadeira por meio das repetições – afirmam os “doutos” – volta-se a realizar uma crítica aos parnasianistas (em especial Olavo Bilac), que com o poema a “Nel mezzo del camin” (no meio do caminho), também escrevia por meio de várias repetições de palavras.

Assim também o é com a acessibilidade. Vista por uma interpretação rasa, costuma ser entendida como apenas a superação de obstáculos físicos, rampas, pisos táteis, etc. Tudo isso talvez, pela associação que se costuma fazer do termo (acesso) ao direito de ir e vir, que pressupõe liberdade ambulatorial (liberdade para ir e vir).

De igual forma que na literatura, “os doutos” do direito destacam a necessidade de contextualizar o instituto, sem o qual torna-se impossível sua compreensão. Dito isto, refratária dos direitos humanos trazidos ao mundo pela Declaração de 1948, a acessibilidade contudo não é mera explicitação apenas do “ir e vir”, apesar de ser um termo criado na mesma época (final a década de 40 do século passado) com o surgimento dos serviços de reabilitação física e profissional (SASSAKI:2006).

Com a evolução da sociedade, este instituto também evolui, admitindo uma natureza mais ampla, possuindo sete dimensões segundo a literatura, existindo gente que defenda existirem oito dimensões (eu sou uma dessas pessoas), sendo a superação de obstáculos físicos por meio de rampas, pisos táteis e demais sinalizações manifestação apenas de uma dessas dimensões, a mobilidade. Sim, acessibilidade e mobilidade não são sinônimos. A relação entre elas está mais para gênero/espécie ou a mesma que o modernismo ou parnasianismo estão para a literatura.

Logo, da mesma forma que a literatura não se encerra no modernismo ou no Parnasianismo a acessibilidade não se encerra na mobilidade (que expressa a forma como ocorrem os deslocamentos dentro de uma determinada área, enquanto que acessibilidade pressupõe acesso a todos os outros direitos de cidadania/direitos sociais).

Dessa forma, quando você vir uma discussão sobre um cadeirante que não pode entrar em um prédio público por falta de rampas, isso é uma discussão sobre acessibilidade (em sua dimensão da mobilidade), mas também quando você vir alguém falar que pessoas com deficiência não terem acesso a empregos por falta de acesso a escolas e faculdades, isso também é uma discussão sobre acessibilidade. Ou seja, é muito mais que uma simples rampa. Da mesma forma que os obstáculos na vida destas pessoas não se limitam a simples pedras, os obstáculos no caminho de Drumond não se limitavam a Olavo Bilac.

 


 

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