Reflexão: Quão antirracista você realmente quer ser?

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Alô, Comunidade! Hoje, terça-feira (21), estreia a coluna do Advogado Jorge Miguel Nascimento Guerra. Ele é membro da comissão dos direitos humanos da OAB, subseção de Criciúma, Santa Catarina.

Nos textos, o advogado vai trazer inquietações que acontecem com frequência em nossa sociedade.

 

 

Advogado, Jorge Migue N. Guerra

Por Jorge Miguel N. Guerra

 

Quão antirracista você realmente quer ser?

 

Se você que está lendo esse texto agora é branco, saiba que, com toda certeza do mundo, você já contribuiu com a manutenção do racismo em nossa sociedade. Seja através de algum comentário, com alguma ação discriminatória ou até mesmo por inércia (não se colocar como um agente ativo na desconstrução do racismo).

A minha intenção com essa declaração não é ser agressivo ou inquisidor e sim tratar as coisas como elas são, dando os nomes que as pertence. Umas das principais características do racismo brasileiro é o esforço que se faz pra não falar sobre a sua existência. Quantos de nós já ouvimos a expressão “racismo velado?”. Uma pesquisa do Datafolha, realizada em 1995, mostrou que 89% dos brasileiros acreditavam na existência do preconceito racial no Brasil, no entanto, 90% das pessoas entrevistadas se disseram não racistas. Diante desses fatos eu pergunto: Racismo velado pra quem?

Voltando ao começo, a nossa sociedade é conhecidamente racista e isso já foi conhecido pelo próprio Estado brasileiro ao instituir, em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial que se propõe, em seu primeiro artigo, a “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.”.

Desta forma, podemos concluir que, sendo a nossa sociedade racista, somos educados e crescemos em um ambiente racista até que sejamos capazes de refletir sobre isso e adotar uma conduta de vida antirracista. E aqui está o x da questão. Angela Davis nos diz que não basta não ser racistas, precisamos ser antirracistas. Essa citação nos impele a uma postura ativa e principalmente combativa frente ao racismo que nos rodeia.

Assim, quando digo que toda pessoa branca é ou já foi racista, estou apenas dizendo que ela reproduziu aquilo que foi educada para reproduzir. Precisamos urgentemente naturalizar apontamentos como “essa sua fala foi racista”, “esse é um pensamento racista”, “aquela atitude sua foi racista” porque ninguém está livre de reproduzir o racismo e o melhor caminho para enfrentar esse problema é entender as suas ramificações e debater abertamente sobre isso.

Aqui é importante fazer a ressalva de que o entendimento de que todos somos ensinados num sistema racista (racismo estrutural), não pode servir de justificativa para o cometimento de atitudes racistas. Não há que se falar, por exemplo, que “isso foi uma fala de racismo estrutural”. Uma fala de racismo estrutural é uma fala racista e quem a proferir deverá se responsabilizar por isso e, num mundo ideal, se comprometer com o antirracismo.

Quando eu citei antirracismo um pouco mais acima no texto tive o cuidado de falar “uma conduta de vida antirracista” porque é exatamente nisso que eu acredito. Não existe um checklist de coisas pontuais ou isoladas que uma pessoa possa fazer para se dizer antirracista. Ser antirracista implica numa vigilância e num questionamento constante: “por que não tem pessoas negras nesse espaço onde estou?” ou “Por que as únicas pessoas pretas deste espaço estão em postos de subserviência?”. “Quantas pessoas pretas existem na minha turma? Na minha faculdade? No meu trabalho?”. Mas esse olhar precisa se voltar para dentro também: “Quantos amigos pretos eu tenho?”, “quantos autores e autoras negros e negras eu já li?”, “quais músicos negros eu acompanho?” e por aí segue.

Como todo e qualquer processo na vida, o início pode ser desafiador e causar algum estranhamento e desconforto (o que, em última instância é até positivo, uma vez que é o desconforto que nos impele a mudar a nossa realidade), mas com o tempo, esses questionamentos se tornam automáticos e quanto mais afinado com as questões raciais, mais fácil é perceber os (muitos) mecanismos de manutenção do racismo.

Deixo como indicação de leitura o livro Pequeno Manual Antirracista da Djamila Ribeiro, que discorre sobre muitas outras formas de se engajar na luta (e com muito mais propriedade, óbvio). Já tivemos muitos avanços nas questões raciais aqui no Brasil, principalmente através da atuação atenta e forte do movimento negro, mas ainda há muito a ser feito e, neste ponto, é essencial que todos possamos assumir a responsabilidade enquanto agentes capazes de atuar efetivamente na luta contra o racismo. É este o convite aberto que deixo a todos vocês que estão lendo. Podemos, juntos, trabalhar na construção de um país que seja melhor para todos nós.

 

 


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Um comentário em “Reflexão: Quão antirracista você realmente quer ser?

  • 21 de julho de 2020 em 19:03
    Permalink

    Essa fala é perfeita, e cabe muito nos dias atuais. Todos nós somos mecanismos de combate ao racismo. Precisamos sair da zona de conforto (e de privilégios), e lutar juntos contra o preconceito e a favor de uma sociedade igualitária. Nós brancos usufruímos de tudo, sem questionamento. É mais do que hora de questionarmos qual o nosso papel enquanto privilegiados e como devemos agir para alcançar a justiça social.

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